terça-feira, setembro 23

ERA UMA VEZ NA TRYPALÂNDIA

“PALERMO”, “PALERMO”, “PALERMO”…

Era véspera de um importante e decisivo jogo de bola, a norte.
Na viagem de comboio para “Palermo”, primeiro destino onde pernoitariam, o trio do apito nomeado para esse desafio, entretinha-se descontraidamente a passar o tempo, que por sinal já ia longo, numa amena cavaqueira falando de banalidades.
Passados alguns minutos, a locomotiva dava o aviso de chegada, travando devagarinho até parar. O percurso, um pouco maçador, tinha decorrido sem qualquer incidente, tendo deixado os “ilustres” passageiros manifestamente bem dispostos e satisfeitos.
Já na cidade, à saída da estação, preparavam-se para tomar o respectivo táxi que os levaria a um afamado espaço gastronómico, onde alguém, velho conhecido de um deles e ex-apitador, os aguardava conforme o combinado.
À chegada, num ritual já velho conhecido, de outros lugares e outras vidas, o habilidoso ex-mestre do apito, agora contratado a “recibo verde” para “public relations” e “cicerone” da “società”, saudou-os, agarrando-os com firmeza pelos braços e osculando cada um, com dois beijos, um de cada lado da face.
Após efusivos cumprimentos com as apresentações da praxe à mistura, seguiu-se um lauto jantar em que foi formalmente referenciado que os recém chegados apitadores eram convidados de honra do comendador de Kustóiaz, uma conhecida e controversa figura do FCBatota, com ligações suspeitas ao submundo da Trypalândia, por negócios pouco claros, já condenado uma vez, com pena suspensa, e ainda com diversos processos-crime pendentes a aguardar julgamento.
No entanto, até os próprios advogados – alguns com relações perigosas ao mundo do crime - magistrados, políticos, empresários, dirigentes da bola, antigos apitadores, vedetas do jet-set, agentes graduados à civil e figuras de passado duvidoso, algumas já com cadastro, presentes no repasto, o reverenciavam como um pai, como de um préstimo de vassalagem se tratasse.
As surpresas não ficaram por aqui, pois o trio foi nova e ardilosamente convidado pelo “garrido” cicerone, a passar o resto da noite num local bem aprazível – “A Pérola do Dragão Negro”.
A “Pérola do Dragão Negro” era mais um investimento nocturno de “dança, mulheres e bebida”, criado para satisfazer as necessidades dos “senhores da nota” e servir de entreposto aos negócios ilícitos e ilegais – droga, tráfico de mulheres, contrabando diverso, aliciamento de jogadores e treinadores, subornos a apitadores, etc., - do submundo de uma cidade ainda tradicionalista e provinciana, mas que, com as influências cosmopolitas celtas, de Visgo e de La Cornuña, despertava gradualmente para novas realidades e novos fenómenos. Os atractivos do “dancing”, que desta arte em movimento pouco ou nada tinha, eram mais que muitos – espectáculo de sexo ao vivo na companhia de mulheres jovens e belas, “table dance” público e privado, e mais alguns “serviços especiais”, muito camuflados, que logo seriam apresentados à clientela, consoante o evoluir dos acontecimentos, em que o mais atractivo e aliciante era o “Cry, dear cry!”, cujo exorbitante preço nem sequer estava tabelado.
Quando o grupo chegou, já tarde, o ambiente era frenético. O “show” ao vivo ia começar e todos se empoleiravam, mais uma vez, para ver em acção “O Incendiário de Uagadugu”, um corpulento e dotado negro, dado à costa num “cayuco”, vindo do Burkina Faso, mais conhecido pelo “Negro do Tripé”. Com duas tailandesas e em dez minutos por quatro vezes, arrasou qualquer potencial candidato ao lugar, exibindo uma dinâmica de fazer inveja à maioria dos curiosos presentes, e despertando também a cobiça de quatro matulonas que não se cansaram de arregalar bem a “pestana”, não desviando uma única vez o olhar, do princípio ao fim, da incrível e louca cena que presenciavam.
Após o espectáculo, a espessa névoa de fumo dos charutos e dos cigarros entrecortada pela luz dos focos de diversas cores que atravessavam a pista de dança, o excesso de bebida de toda aquela gente e o perfume, já com ligeiro toque a “sovaquinho”, daqueles belíssimos “materais” das melhores marcas nacionais e outros, importados de países da ex-cortina de ferro,
punham o ambiente, já de si tórrido, autenticamente a fervilhar de sensualidade e sobretudo de desejo.
O trio do apito não fugia à regra. Com tratamento “vip”, entrepostos e completamente extasiados por duas portentosas checas e uma lituana, muito belas, de olhos azuis encantadores, e mais três lusitanas de se lhe tirar o chapéu, num largo sofá em semicírculo, era vê-los já a esparralharem-se a todo o comprimento, inebriados e aquecidos pela bebida, enfiando as mãos por bons e gostosos sítios, apitando imediatamente para “penalty”, fazendo vista grossa a uns “off sides”, mas “descortinando” tudo o que era delicioso, não regateando a “pedagogia” de uns “chôchos” com sabor misto a bâton, tabaco e champanhe, “considerando casual e sem advertências, qualquer jogada perigosa de “baixo para cima”, tal era o louco e agitado “farfalhanço” em que estavam mergulhados! Numa espiral alucinante, o jogo de mãos e de cinturas chegou ao caos, com tudo a rebentar pelas costuras, até mesmo as almofadas do sofá!
E a loucura e o frenesim atingiram o clímax total, quando Nicole, a mais bela das checas, com uma cútis marron clara acetinada, “brilho de pérola”, verdadeiramente deslumbrante, uma autêntica obra-prima da natureza, se “descascou” ali mesmo, e toda nua, puxou as gravatas de cada um dos três marmanjos ao mesmo tempo, roçando-as, entalando-as e subindo-as leve e perigosamente, entre as suas elegantíssimas e escaldantes coxas!
Sempre que isto acontecia todo o mundo parava no “dancing” para contemplar esta excepcional mulher! Simplesmente colossal!
Trelles, na penumbra, junto ao vestiário, assistia a tudo friamente, com um leve sorrisinho sacana, depois de ter ordenado a colocação de envelopes com quantias bem chorudas e “vauchers” de viagem, nos respectivos bolsos interiores de cada uma das gabardinas dos apitadores. Estava a chegar a hora “H” e ele não podia descurar o que quer que fosse. Para lhes aguçar ainda mais o apetite, dirigiu-se àquele “reservado vip”, e com muita naturalidade disse aos três que só faltava o fabuloso “Cry” para colocarem a cereja no topo do bolo e que como era dia de seu aniversário – mais uma peta de ocasião - que não se preocupassem pois a conta era com ele. Era só escolherem. Cantaram-se ainda “Os parabéns a você”, mais “champanhe” a jorrar, e a festança a continuar. Depois, nos quartos do hotel, os três marialvas, na bagunça do “um em duas”, e consequentemente, em escandalosos “ménages à trois”, mostraram bem que não precisavam nem de passaportes, nem das insígnias da WEFA para as suas internacionalizações. Passaram todas as fronteiras possíveis e imaginárias de “assalto”, naquela que terá sido para eles, a noite de todas as nacionalidades! Uma verdadeira noite europeia! Uma noite de fantasia!
Ao outro dia esperava-os uma delicada e exigente jornada, mas o ensaio geral tinha sido a confirmação de que estavam à altura de qualquer desafio.
De manhã, ao acabarem de tomar o pequeno-almoço, após o director do hotel ter entregue, a cada um, as respectivas facturas de estadia e de extras, dizendo-lhes que não necessitavam de desembolsar qualquer quantia, pois as despesas já estavam todas pagas, o próprio, pediu-lhes que esperassem um momento, pois uma alta individualidade tinha-lhe solicitado esse favor, no sentido de lhes dar umas curtas palavrinhas. Não demorou sequer um minuto, quando, surpreendentemente, chegou próximo do trio, um maganão desconhecido, de cabelo penteado para trás e besuntado de gel, trajando gravata amarela, fato escuro de risca larga e bota cardada de tacão alto, que com amabilidade os cumprimentou, apresentando-se estranhamente como inspector de salas de espectáculos e hotéis, e que entregou a cada um deles um dossier plastificado e personalizado, com o respectivo nome, bem como os das suas famílias e com uma quantidade enorme de fotografias e cassetes de vídeo, dizendo:
- Meus senhores, muito bom dia a todos! É com um enorme prazer que vos entrego estes dossiers, que, decerto, vos farão muito felizes, pois são recordações inesquecíveis da vossa última noite, passada algures na nossa Trypalândia. Se quiserem, partilhem esses álbuns com as vossas famílias. As vossas mulheres e companheiras, filhos e filhas, familiares, amigos e amigas, estarão ávidos para conhecer estas vossas façanhas.
Agradeço a vossa paciência e disponibilidade, lembrando-vos que hoje à tardinha, têm e temos um jogo decisivo em que só a vitória nos interessa.
Sei, convictamente, que não nos deixarão ficar mal e irão desempenhar com competência, lealdade e imparcialidade, o vosso papel!
Os três “felizes contemplados” entreolhavam-se, atónitos, completamente estarrecidos!
Por fim, com um cínico sorriso, levantou um pouco a lapela do casaco, exibiu com arrogância o emblema do FCBatota, lançou-lhe duas baforadas impregnadas de uma halitose insuportável, dando-lhe em seguida duas ostensivas “engraxadelas” com a manga do casaco, e rematou:
- Felicidades e até à próxima, cavalheiros!
Cumprimentos de D. Giorgio...e grandes férias no Rio de Fevereiro, na Brasiliónia!
Era uma vez na Trypalândia…

GRÃO VASCO

Obs.
As gravatas de cada um dos três só foram para limpeza a seco após uma quarentena de meio ano!
Por causa dos “chôchos”, dois do trio, não raparam as barbas durante várias épocas!
Quanto às viagens, só um dos “calhordas” aceitou. Levou família e tudo!
Descoberta a “careca”, passado algum tempo pós férias, com um cheque de milhares, mandou, “indignado”, “repagar” tudo!
Estas “coisas” aconteceram… e acontecem???, vezes e vezes sem conta na Trypalândia, quer nas competições internas, quer nas da WEFA!