quinta-feira, outubro 30

NA RIBEIRA DE "PALERMO"

JÚLIA TRIPEIRA, SIDÓNIO PROGRESSO
e
ANDRADE CORRUPTO
ou
Salgueiros, Progresso e os batoteiros



NOTA INTRODUTÓRIA
“Corria o mês de Agosto de 1908 e numa esquina do antigo largo da Arca de Água, no Porto, realizava-se uma reunião ultra-secreta. Um grupo de sócios e jogadores do Élite Foot-ball Clube, descontentes com o rumo que a colectividade seguia, resolveram fundar um novo clube: chamaram-lhe Sport Progresso. E nesse longínquo dia, há cem anos atrás, nem imaginavam o rol de peripécias que lhe estava reservado: foi extinto por simpatizantes dos adversários, perdeu metade do estádio e conquistou um elemento de peso, um frade franciscano com jeito para o futebol e uma grande dedicação ao clube. Pelo meio, ganhou títulos em várias modalidades que com o tempo acabaram por desaparecer.

Antes de terem estádio, os progressistas usavam o Largo da Arca de Água para os treinos e jogos, até que a Câmara decidiu transformá-lo num jardim. Um rude golpe que os obrigou a meter mãos à obra na construção de uma infra estrutura própria.

Inaugurado em 1923, o Estádio do Amial, considerado na altura, um dos melhores da Europa, era uma obra majestosa. Conta a actual direcção progressista que alguns sócios do futebol clube do porto começaram a não gostar muito de ver o Progresso voar alto e arranjaram maneira de o extinguir.

Em 1933 na cidade do Porto dá-se o célebre caso dos ANDRADES, com as acções menos correctas por parte do fcporto sobre os clubes mais pequenos da cidade
O campo do Ameal era utilizado por um pequeno clube da Cidade, o Sport ProgressoEste campo arrendado por este clube era da família Andrade, quando 2 dos filhos tomaram posse dessa propriedade, um era adepto do Sport Progresso, e o outro adepto fcporto, e este obrigou o Sport Progresso a ficar sem esse campo, pois o campo do fcporto, que era o da constituição, era muito inferior, e porque é que este clube (Sport Progresso) devia ter um campo melhor
O caso foi para tribunal mas o Andrade adepto do fcporto conseguiu dividir o campo em dois, uma parte para o mano portista e outra parte para o mano do Sport Progresso, mas o mano portista inviabilizou que o Sport Progresso jogasse mais no campo.Claro que o Sport Progresso entrou em agonia financeira porque deixou de competir por falta de espaço, tendo na altura levantado uma onda de protesto na cidade contra o fcporto por esta atitude do mano portista

Em 1934, militava o clube na 1.ª divisão da Associação de Futebol do Porto, alguns adeptos do fcporto "fizeram-se sócios do Progresso e numa Assembleia decidiram a extinção", conta o padre Avelino Amarante, presidente da Assembleia-Geral do Progresso. Não conformados, os progressistas conseguiram pôr de novo o clube de pé, mas, em breve, novos imprevistos aconteceriam na vida do clube.”




Na sua velha taberna, na Ribeira de “Palermo”, após a janta, Júlia Tripeira e Sidónio Progresso, cúmplices na vida e no amor, sentados nuns mochos velhos e sebentos, negros do fumo e polidos pelo uso, conspiravam em voz baixa, deitando contas à vida.
Nunca tinham esquecido o que Andrade Corrupto, irmão de Sidónio, lhes fez, aquando das partilhas da família. Vigarista de alto coturno, deixou todos os seus na penúria e a passar fome, montando casa a três prostitutas com as quais vivia promiscuamente, esbanjando fortuna “à fartazana”, vagueando pelos bastidores de “Palermo” e pelos submundos mais corruptos e viciados da arbitragem dos distritais de futebol da Trypalândia, mas sempre ligado ao FCBatota. Toleravam-no na taberna, pois era habitual acompanhante de frequentadores e clientes que diariamente ali faziam as suas refeições.
Nascida em Paranhos, Júlia, desde catraia, foi viver para casa de uns tios, na Ribeira de “Palermo”. Mulher causticada pelas agruras da vida, mãe solteira muito jovem, cedo viu partir a perdição da sua vida - seu filho, que amara com tanto desvelo, foi levado pela guerra, lá longe, no Ultramar. No entanto, a sua força de vontade para vencer na vida prevaleceu, e hoje, a sua vida remediada era estável. Apesar da sua idade, ainda mantinha a beleza de outrora. Mulher de verbo fácil e destemida, quando por vezes a coisa aquecia, o vernáculo emergia da sua voz quente actuando como um bálsamo para aqueles que se sentiam humilhados e amesquinhados pelos “chicos espertos” do costume.
Era uma indefectível do grande Salgueiral, com aquela alma de que tanto se falou, anos e anos a fio!
Sidónio, ex-jogador de bola, tinha tido uma vida pacata, tranquila, e sentiu sempre um “fraquinho” por aquela que já tinha sido a mulher mais disputada da Ribeira de “Palermo” – Júlia Tripeira. Noutros tempos, no apogeu do seu dinâmico e vitorioso Progresso, Sidónio deu-lhe a mão. Hoje, é ela que o ampara da artrite e da “espandilose” que tanto o ataca, como se já não bastassem as trafulhices do crápula do seu irmão, Andrade Corrupto.
Andrade Corrupto, ferrenho adepto do FCBatota, cuja alcunha de antanho se deve à sua arte e habilidade de em tempos idos, “comprar” os adversários do célebre “boxeur”, Trelles Balboa, quando era seu empregado, cedo enveredou pelo submundo de Palermo envolvendo-se em negócios de prostituição, contrabando e droga.
Deu o golpe do baú, deixando o seu irmão à beira da miséria, quando, através de falsificação de documentos e de uma série infindável de falcatruas, se apropriou ilegalmente de terrenos e campos que eram por direito, propriedades de Sidónio. Enriqueceu, mas o jogo e as mulheres atiraram-no para a reforma mínima por falsa invalidez, complementada já mais tarde, novamente, com as actividades ilícitas de proxeneta e “passador”.

Na taberna, já aquecido por um douro excepcional, colheita de há três anos, com treze graus e meio, o bando do FCBatota, por entre as pipas, rejubilava com as façanhas da sua gentalha trapaceira. Andrade Corrupto, com as habituais fanfarronadas, de braço no ar, segurando e abanando um folheto, virava-se desafiador, para Júlia e Sidónio, dizendo:
- Olhem! Olhem para aqui! Agora não são só taças, agora é “coltura”! Só o FCBatota é que poderia proporcionar isto aos seus adeptos!
Sidónio nem olhou, mas Júlia soltou aquele esgar de desprezo perante o qual Andrade Corrupto ripostou:
- Vê bem, Júlia! Vê bem! Agora a nossa Filózinha, a bicasada com o nosso Giorgio, como directora da secção cultural do nosso clube, vai apresentar um programa musical que só visto! O primeiro é em directo da Casa da Música…
- Música? Música dessa ouço eu todos os dias, e estereofónica! Basta a sinfonia das entranhas do meu Sidoninho, a partir das onze da noite. E olha, nem compro bilhete! – respondeu-lhe com desprezo Júlia.
Andrade Corrupto ficou meio aparvalhado com a resposta e balbuciou:
- Óó…ó Júl…
Júlia em ar de gozo, sem o deixar respirar, atirou-lhe forte e feio:
- Bem, mas pior, pior, é quando o teu querido presidente se larga por dá cá aquela palha! Porco! Até obrigava a outra a “esfumaçar”, para disfarçar. Se calhar esta, para as recepções, como está mais virada para a música, vai levar um trombone para abafar o som e absorver o cheiro! O que vale é que as do Sidoninho não cheiram mal, senão também já tinha ido pôr as bochechas de molho ao Castelo do Queijo! Portanto não venhas para aqui com essas tretas, porque para esse peditório já demos! Nem no S. João! Ouviste ó Andrade Corrupto? – dizia ela com firmeza. E continuou:
- “Coltura”…! Deu-te para boa, ó analfabeto! Tu, que andavas no “ringue” a segurar na toalha, na esponja e no balde onde o “Trelles do boxe” cuspia, que mijavas atrás das bilheteiras do teu estádio a abarrotar de corruptos e que escarravas do “tribunal” cá para baixo, a dar uma de “coltura”! Só visto! Só se for de “cebollas”, carago! Também é verdade. Segundo dizem as tuas “amigas”, há muito tempo que não sabes dar outras, a não ser estas de “coltura”, e mal!
Mas Andrade Corrupto, com a sua verborreia, não se calava e para ganhar a concordância de Júlia, disse-lhe em tom apaziguador:
- Mas olha, se não gostas dessa música, a Filòzinha, preparou um programa muito popular, com Zés Pereiras e uns “gaitas-de-foles”, para fazerem umas “arruadas” à FCBatota, e parece-me que vão passar bem pertinho da tua porta…
Aqui, Júlia já não gostou nada da brincadeira e enfastiada com a conversa, atirou-lhe em jeito de pergunta:
- FCBatota? Bombos e gaitas à minha porta?
A conversa continuou a azedar, e Andrade Corrupto, rufia malandro e provocador, roído de invejas antigas, lembrando pecados velhos, ainda exclamou:
- Então ó Júlia, francamente, tu que sempre gostaste tanto de “bombadas”. Segundo as “boas” línguas, a “bombar” é que te sentias bem…
- Que descaramento é esse, hã? – questionou-o Júlia já ofendida. – Grande ordinário! Falas assim porque nunca cá tocaste, nem tocarás! Bem te esfalfaste, desalmado! Até te babavas todo e grunhias que nem um porco quando vias dois dedos do meu decote ou um palmo das minhas coxas. Mas miseráveis como tu só merecem ser besuntados com a enxúndia das tuas “amigas” andrades arruaceiras, essas que querem ser putas em vez de adeptas de outros clubes!
- Olha lá, e põe-te fino com a conversa, ó Corrupto, porque isso de “bombadas” e “gaitas-de-foles” é só comigo e com o meu Sidoninho, quando fecho a “venda” e vou com ele para a cama, percebeste?
E Júlia continuou:
- “Bombadas”…! Olha que esta é boa! Querem ver que ainda vem o teu “Giorgiozinho”, “à pai Adão” fazer alguma demonstração contigo? Está bem servido está! Se a outra lhe descobre mais a careca, ainda tem que ir fazer mais uns “implantes” à Póvoa! Vocês não têm mesmo emenda nenhuma! Continuam os pacóvios do costume! Querem branquear a porcaria que fizeram durante anos e anos a fio mas a nódoa nunca sairá!
E apontando para Sidónio, finalizou:
- Tens ali um exemplo, ó Andrade Corrupto! O teu irmão, o Sidónio Progresso! Despedaçaste-o com as tuas vigarices!
Um longo e perturbante silêncio percorreu a taberna, desde as pipas, lá no fundo térreo, até ao balcão dos “penaltys” e “traçadinhos”.
Todos baixaram as cabeças em sinal de respeito por Júlia e Sidónio. Outros, mesmo, debruçando-se um pouco para a frente, em sinal afirmativo, expressavam gestualmente a sua concordância com aquela que sem dúvida merecia a admiração de todos, não obstante as ironias do destino.

A taberna estava quase a fechar, os ânimos tinham quase serenado e nisto surgiu mais uma rusga.
Identificações pedidas, e Andrade Corrupto de mãos a abanar.
Foi engavetado, não sem que um dos polícias, o Abel, lhe tivesse piscado logo o olho.
Júlia ficou mirando o “filme” e rematou para consigo:
- Pena que só seja por meia hora, ou quem sabe, por toda esta noite, mas que foste na “ramona”, ai isso foste, e ninguém te valeu! Mas aqui, para alguns, os impunes da “corja” como tu, Andrade Corrupto, o “crime” sempre compensou, infelizmente!
Em surdina, deu um grande viva ao Salgueiros, pegou no galhardete do Progresso, deu dois beijos ao Sidoninho, fechou as portas do tasco e pôs-se a andar que já era tarde!
Ao longe, na bruma e na escuridão daquela noite cerrada, junto ao rio, um vulto ainda exclamou:
Ah, grande tripeira! Ah, grande mulher!
Amanhã era outro dia!

GRÃO VASCO